AX84 P1 e gabinete 2x12 para guitarra

Vamos ver quantas “side quests” eu termino, ao longo do “projeto Ténéré-i”…

Ha uns meses voltei a tocar um rock n’ roll descompromissado com mais dois amigos. Um power trio ainda sem nome oficial, arranhando um The Who, Free, Cream, e mais qualquer coisa que a gente goste.

Com isso voltaram os sintomas da sindrome que o pessoal do forum do Cifra Club costuma chamar de G.A.S. ( Gear Acquisition Syndrome ). Algumas horas nos sites da VOX, Gibson, Epiphone, mercado livre, ebay, conferindo a cotação do dolar, calculando imposto… Até começarem a aparecer os sintomas da G.B.S ( Gear Building Syndrome ), e minhas buscas passarem para esquemas de amplificadores valvulados. E nesse caminho cheguei até o AX84.com

O AX84.com é uma comunidade com o objetivo de desenvolver projetos livres de amplificadores valvulados. O mais famoso deles é o Hi-Octane, que foi “traduzido” pela comunidade do Handmades , e tem muito material em portugês disponível na net.

Mas eu resolvi montar o projeto P1, que me pareceu mais simples, e é um amplificador com menos ganho na pre-amplificação que o Hi-Octane, que, acredito eu, é mais próximo do som que eu gosto.

Encomendei os componentes na Mult-Comercial e Altana Tubes. No primeiro pedido da Mult-Comercial me enviaram a valvula errada, uma EL34 ao invés de uma EL84, e não responderam meus e-mails pedindo a troca. Ainda bem que a EL34 é mais cara que a EL84 e é só eu cortar ela no cobre. Por isso fiz o pedido na Altana Tubes - vai que a Mult-Comercial me manda errado denovo.

Os transformadores pedi na Digi-Key, e fiquei impressionado: em três dias eles estavam sendo entregues na porta da minha casa, com o imposto sendo pago ao próprio entregador da FedEx.

Para montagem do amplificador ainda estou aguardando alguns componentes de um segundo pedido na Mult-Comercial, que estavam em falta antes.

Além do amplificador, alto-falantes de qualidade fazem muita diferença no som. Com a intenção de montar uma boa caixa, encomendei uns alto-falantes na Musical Thomann, uma monstruosa loja alemã de artigos musicais, que oferece um valor interessante de frete: 40 euros, fixo, para todo o Brasil, via DHL, independente do tamanho/peso do produto. No caso de dois alto-falantes de 12’’, é um valor bastante interessante.

Ah, e sobre o “monstruosa”, fui dando uma olhada no site da loja, pra conhecer um pouco mais de onde estava comprando… Vendo aqui, a loja, uma empresa familiar,  é do tamanho de uma pequena cidade praticamente. Alemão não sabe brincar.

Falantes Eminence Legend GB128

Bom, com os falantes em mão ( dois Eminence Legend GB128, acima ), hora de projetar a caixa.

Depois de ler diversos fóruns sobre contrução de caixas para guitarra, aprendi bastante. Basicamente existem dois designs basicos: com a traseira aberta e fechada. Caixas de traseira aberta são mais simples de construir pois suas dimensões afetam menos o som final, e as dimensões dos modelos de mercado são definidas mais em função de outros parâmetros que o som propriamente dito, como por exemplo o tamanho das peças de material disponíveis, o preço, transporte, e o acondicionamento de outros componentes, como o próprio amplificador no caso de um combo. Exemplos deste design são a enorme maioria dos combos Fender e VOX.

A outra opção seriam as caixas de traseira fechada, seladas, em os falantes trabalham com a resistência do ar contido no interior da caixa. Neste caso as dimensões da caixa são muito mais determinantes no som final, e equações complicadas estão envolvidas no cálculo dos parâmetros da caixa. Apesar de ler isto em todos os lugares, em todos eles li a mesma historia, de que as famosas caixas 4x12 Marshall, praticamente sinonimos de som de guitarra e Rock n’ Roll, foram projetadas com as menores dimensões que comportavam os falantes de 12’’, sem o menor rigor de calculos complicados. Mas de todo jeito, os caras tinham recursos pra refazer mil vezes se o som ficasse ruim. Eu só to afim de fazer uma vez. Traseira aberta será.

Ja no quesito materiais, ai é que as opções aumentam mesmo. Muitos dos gabinetes industriais são de aglomerado, que é ruim de trabalhar manualmente e tem uma resistência ainda pior. Simplesmente se desfaz com umidade. Bons gabinetes industriais, como os Marshall, e muitos handmades são feitos de compensado. É um material resistente, barato, e fácil de trabalhar. Mas ha compensados e compensados. Os facilmente encontrados por aqui são feitos com cola PVA, por isso são sensíveis a umidade, e são cheios de espaços vazios internamente. Em fóruns gringos o pessoal fala muito do tal compensado naval, que é feito com cola fenólica e uma madeira sinistra, que resiste à umidade. Mas sei lá onde se encontra desse trem, e não deve ser barato.

Ainda temos as madeiras. Os antigos Fender eram de Pinheiro ( Pine ), que são na verdade todo um gênero de plantas, o genero Pinus. Algumas espécies de Pinus, como a Pinus Elliottii, são, junto com o eucalipto, as madeiras mais cultivadas do brasil, usadas pra tudo, desde palito de dente a móveis, e são facilmente encontradas nos mais diversos formatos.

Paineis de pinus

Encontrei estes paineis de pinus, que são muito leves, fáceis de trabalhar, e baratos. Paineis são feitos juntando várias peças menores de uma unica madeira, encaixados e colados perfeitamente em processos industriais. Peças inteiriças seriam muito mais caras. Além disso estes paineis ja tem um nível avançado de acabamento, são muito lisos e planos, facilitando muito o trabalho de amadores como eu.

Os materias ajudaram a definir o desenho. A caixa tem 25cm de profundidade, pois essa é a largura da madeira disponível. Maior que isso era de 30cm, que acho desnecessário e adicionaria muito mais peso. Serão também 80cm de largura e 40cm de altura, valores “redondos” e que acomodam com folga os dois falantes, de 31cm de diametro e 14cm de profundidade cada um. As laterais da caixa ( cima, baixo e os dois lados ) têm 22mm de espessura, enquanto a frente ( front baffle ) e traseira têm 12mm. Os reforços internos, também de pinus, têm 20x20mm de perfil.

Contas feitas, hora do trabalho de verdade.

Cortando laterais

Como esperado, este método meu para cortes retos usando uma guia não funcionou tão bem. Apesar de ser melhor que a mão livre, a serra ainda assim entortava e ficou tudo meio torto no final. O ideal seria, claro, uma serra circular, de mesa.

Laterais colando

O primeiro passo foi montar os reforços nas laterais.

Montando as laterais

Depois foi montar as laterais, fazendo a tal “butt-joint”, que nada mais é que a junta mais simples possível. Os gringos falam muito nos fóruns sobre as “finger-joint"s, que são aquelas juntas fodas, parecendo dedos entrelaçados, e que os gabinetes industrializados usam. Mas pra ficar legal é preciso equipamento especial, como uma tupia e os padrões para cortar as peças. Mas essa junta simples, com os devidos reforços, e sem economia de cola e parafuso, é mais que suficiente.

Ah, e resolvi colocar os parafusos todos pra fora, pra ficar tosco mesmo. Daria pra colocar tudo por dentro, pra ficar bunitim, mas seria uma bosta pra parafusar os dos cantos.

Laterais coladas - Hora da contemplação e recompensa

Com as laterais coladas a caixa começa a tomar forma. Depois disso foi colocar todos os reforços internos, em cada uma das bordas, onde serão fixados a frente e o fundo.

Com a micro-retífica, usando uma fresa, fiz um acabamento arredondado de leve, nas bordas da caixa.

Acabamento arredondado

Normalmente se usa um acabamento arredondado bem maior ( ângulo menor ? ), mais arredondado mesmo. Mas este foi o maior que encontrei para micro-retífica. Mais que isso só para tupia mesmo, e não acho que vale à pena investir em uma tupia para isso. Este arredondado ai eu também acho que conseguiria fazer só na lixa, mas daria muito mais trabalho pra fazer na caixa toda. Com a micro-retífica foi muito tranquilo, até divertido.

Fim do primeiro dia

No fim deste primeiro dia ainda cortei a frente ( baffle ) onde os falantes serão fixados, e montei uma “grade”, que esta ai encaixada na frente da caixa, que vai servir de armação para o tercido ortofônico, que ainda não chegou, e que vai dar um acabamento, protegendo os falantes.

Esse dia comecei a cortar as primeiras tábuas às 07:30. Joguei bola das 12:00 às 13:00, e voltei à caixa. Às 01:00 da manhã eu ainda estava varrendo o pó de madeira e recolhendo as ferramentas, tomei uma Strong Golden Ale que foi como uma paulada na nuca. Depois dela foi só banho e cama…

No outro dia era hora dos cortes mais difíceis, circulares. Pra começar uma boa ideia na hora de marcar os cortes na madeira:

Compasso

Um pedaço de aluminio que tinha sido um pincel de cola no dia anterior, virou um compasso de raio fixo.

Fundo marcado

A marcação ficou perfeita, pena que o corte ficou uma bosta. Mas o torto ja virou minha assinatura, é o “charme” da parada.

Conferindo as marcas da frente

Pra marcar a frente tive que fabricar outro compasso de raio fixo, desta vez com um pedaço de pote de sorvete. Boa hora para conferir as medidas com os falantes, antes de cortar.

Cortando buracos dos falantes

Com frente e fundo cortados, falta só o acabamento, e colar a frente. Fundo e o tecido/moldura são só parafusados. Minha ideia é lixar a caixa e passar apenas um verniz por fora, deixando madeira/parafusos à mostra. Por dentro não faço questão de pintura nenhuma, mas queria usar alguma coisa que fornecesse alguma proteção contra cupins/brocas. E a frente, que ficará tampada pelo tecido, talvez eu deva pintar de preto para não aparecer o contorno dos falantes na frente, mas estou esperando o tecido chegar para montar na moldura e testar.

O resultado no momento é esse:

Traseira

Frante

Ta tudo meio torto e cheio de frestas, um pouco porque a frente, moldura e fundo estão soltos, só equilibrados/encaixados, e muito porque ta tudo torto mesmo. Mas é assim mesmo que eu quis, desde o início :-)